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Um Bastonário da raia. Não foi fácil, mas valeu a pena


Opinião de José Manuel Silva publicada no "Campeão das Províncias" , de 25 de junho


A Ordem dos Médicos (OM) é uma grande organização, com mais de uma centena de funcionários, que desenvolve um papel insubstituível na formação e autorregulação médica. Cumpre ainda um importante papel de apoio social a médicos carenciados (são muitas dezenas) e o dever de contribuir para a defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes, conforme a Lei 117/2015, o que faz com um forte sentido ético, sendo um baluarte na defesa do SNS.


Desempenha a sua missão de forma internacionalmente reconhecida, no campo da qualidade da formação, e, depois da revisão dos Estatutos (processo que terminou em 2015, mas com entrada em vigor plena apenas em 2017) e naquelas que são as suas competências, de modo mais eficiente e célere que os próprios tribunais.


Um candidato a Bastonário que provenha da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos tem sempre muito mais dificuldades em ser eleito, devido a fenómenos bairristas, pois é a secção mais pequena da Ordem.


Quem vive em Coimbra enfrenta também maiores desafios, visto que quase tudo se passa em Lisboa, onde tem de estar ou de ir permanentemente. Não esquecerei nunca as palavras sofridas do Bastonário Gentil Martins: não deixes que este cargo destrua a tua família... É fundamental conseguir-se um ténue e árduo equilíbrio entre o trabalho, o cargo e a família, sobretudo quando as circunstâncias familiares não são as mais fáceis.


Muitos perguntam-me: como conseguiste? Como sobreviveste? É “simples”, fazendo opções, definindo prioridades, deixando outras atividades acessórias e recorrendo a uma inesgotável resiliência e intransigente independência.


Três questões principais se levantaram: a necessidade de vir dormir a casa sempre que possível, a necessidade de levar comigo um chefe de gabinete de toda a confiança e a necessidade de, na ausência de fortuna pessoal, poder continuar a sustentar a família.


Curiosamente, fui o único candidato que colocou no seu programa a necessidade de alguma forma de ressarcimento ao Bastonário eleito, assumindo que, de outra forma não poderia desempenhar o cargo. Fui criticado pelos outros três candidatos, mas acabei sendo eu o eleito. Reafirmei esse pressuposto na primeira reunião do Conselho Nacional Executivo a que presidi. Atualmente, depois da revisão dos Estatutos da Ordem, o Bastonário tem uma remuneração condigna do cargo, com todas as despesas pagas, pelo que essa limitação já não se coloca.


Como resolvi então as três questões mais prementes? Não há segredo nenhum.

Em primeiro lugar, optando pelas viagens comboio, que transformei em escritório com rodas, o que me permitia vir dormir a casa quase todas as noites. Isso implicou recusar delicadamente a maioria dos convites para eventos noturnos ou durante o fim de semana. Quando tal não era possível, a minha excepcional empregada doméstica ficava em casa a dormir com os meus filhos menores.


Em segundo lugar, o Conselho Nacional Executivo concordou e deliberou a contratação de um chefe de gabinete proposto por mim, que deixou a Ordem quando o novo Bastonário tomou posse. A esse meu colega e amigo devo quase tudo o que consegui fazer na Ordem dos Médicos. Os excepcionais funcionários com quem tive o prazer de trabalhar, e a colaboração dos colegas dos órgãos sociais da Ordem fizeram o resto.


Em terceiro lugar, porque o Conselho Nacional Executivo, onde o actual Bastonário tinha assento como Presidente da Secção Regional do Norte da OM, deliberou, de acordo com a Lei, atribuir-me ajudas de custo ao nível das que, à época, existiam para a função pública. Só assim seria possível, como afirmei durante a campanha, desempenhar o cargo com a dedicação exigida pela difícil situação sócio-económica que naquele tempo vivemos.


Falta explicar o título.

Ensinaram-me os seis anos de Bastonário o que António Arnaut queria significar com ‘a sombra’ (e as assombrações...) dos corredores do poder lisboeta e como Coimbra, sem líderes à altura, tem vindo a definhar, perdida entre o centralismo e o desprezo de Lisboa e o bairrismo combativo e invicto do Porto. Se nada mudar, Coimbra será reduzida a uma cidadezinha da raia da fronteira entre estas duas grandes áreas metropolitanas.

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