Intervenção do Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, José Manuel Silva, sobre a proposta de internalização dos SMTUC, na reunião da Câmara Municipal de Coimbra de 15 de setembro de 2022
Quando apresentámos as propostas de reestruturação da Câmara e dos SMTUC, duas medidas de simples e básica gestão, de carácter técnico-administrativo, positivas para a Câmara, para os SMTUC, para os trabalhadores e para os munícipes, estávamos longe de imaginar a violenta reação político-demagógica que se seguiu.
Fomos acusados com base numa infindável série de mentirosas fabulações e criticados por não termos promovido um diálogo mais público e aprofundado sobre o processo referente aos SMTUC. Aceitámos a crítica do diálogo com humildade democrática, retirámos as propostas e intensificámos o diálogo com todos os parceiros, pois somos cultores do diálogo e da transparência, como a nossa prática demonstra. É apenas sobre este percurso que pretendo acrescentar algumas palavras, centradas na internalização dos SMTUC, um acrónimo bem recente, datando apenas de 1985. O que vale a pena comentar de novo?
- É sabido que os SMTUC se deparam com um grave problema financeiro e de gestão, que foi agravado pela pandemia COVID-19 e piorado pela Guerra da Ucrânia, que urge minimizar de forma construtiva, a fim de melhorar o serviço público de transportes coletivos de Coimbra.
- A nossa obrigação coletiva de gerir bem e de fazer mais e melhor é fácil de explicar. Anualmente, a Câmara Municipal gasta, em recursos humanos, somando os trabalhadores da Câmara e dos SMTUC, 54 milhões de euros dos contribuintes! A estrutura de custos com pessoal da CMC e dos SMTUC é pesadíssima, pelo que temos a obrigação de fazer muito mais e muito melhor, particularmente quando os efeitos da guerra na Ucrânia inesperadamente roubam 9 milhões de euros ao orçamento da Câmara de 2022.
- Os serviços municipalizados não dispõem de personalidade jurídica, não têm património próprio, as contas são consolidadas com as contas do Município e integram a estrutura organizacional do Município, embora possuam uma organização autónoma.
- Ou seja, de facto os SMTUC já estão internalizados na Câmara, pelo que a solução agora proposta reside apenas na junção efetiva dos ativos dos SMTUC e da Câmara, numa relação positiva e ganhadora para ambas as partes, passando as competências no domínio da prestação do serviço público de transportes para unidades orgânicas específicas e reforçadas com os ativos de ambos os lados.
- No que respeita às áreas instrumentais, como recursos humanos, serviços financeiros, contratação pública, serviços de informática, entre outras, as tarefas serão distribuídas internamente pelas diversas unidades orgânicas municipais competentes em razão da matéria em causa, otimizando-se, assim, os recursos técnicos e humanos disponíveis.
Esta solução, que representa uma medida básica e banal de boa gestão, como qualquer economista ou gestor pode atestar, permitirá, em suma:
· Otimizar, sem despedimentos, a organização dos serviços e a gestão conjunta dos recursos humanos, com redução de custos da estrutura fixa alocada exclusivamente aos SMTUC;
· Agilizar procedimentos burocráticos e processuais, na medida em que os serviços municipalizados não têm personalidade jurídica, o que obsta a que pratiquem certos atos jurídicos, como a outorga de contratos, que exigem a intervenção do Município;
· Reforçar as competências técnicas dos serviços e a sua capacidade de responder às necessidades dos SMTUC, criando massa crítica em matérias específicas como recursos humanos, contratação pública, apoio jurídico e informática;
· Garantir a devida articulação e coordenação entre os vários modos de transporte urbanos, na conceção e implementação de estratégias e políticas globais de mobilidade e transportes urbanos e na gestão do sistema de estacionamento e de controlo de tráfego;
· Agilizar a articulação do Município com as diferentes entidades intervenientes nas políticas de mobilidade e transportes, designadamente com a Metro-Mondego, a CIM e a Entidade de Gestão do Sistema Intermodal da Região de Coimbra, em fase de constituição.
· Manter intacto o “imenso património de experiência adquirida ao longo dos anos pelos SMTUC e pelos seus trabalhadores”, na medida em que, continuando a Câmara a desempenhar integralmente a missão de serviço municipal de transporte urbano de Coimbra, não há forma de desaparecer nenhum património de conhecimento e experiência, pois este continuará a ser diariamente necessário, aplicado, desenvolvido e renovado, como acontece com o capital humano e o património de conhecimento e experiência dos departamentos da Câmara e das suas complexas e exigentes missões.
· Gerir com rigor os meios existentes para servir mais povoações com os SMTUC, que muito justamente o reclamam, razão pela qual contamos que os Srs. Presidentes de Junta não bloqueiem esta proposta, pois são dos principais interessados na sua aprovação, para cortarmos gorduras e libertarmos mais recursos para as suas Juntas e fregueses.
No diálogo desenvolvido com os parceiros, todas as dúvidas persistentes foram esclarecidas. Por exemplo, na reunião ocorrida em 20 de julho, em que esteve presente a advogada da Comissão de Trabalhadores, a mesma afirmou que os trabalhadores manteriam intactos todos os seus direitos e deveres, como decorre da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), e que a sua segurança contratual seria reforçada com o processo de internalização.
Não obstante os esclarecimentos prestados, veio a Comissão de trabalhadores informar que o parecer da mesma, emitido a 24 de agosto de 2022, era negativo, contudo sem fundamentar as razões subjacentes ao sentido do mesmo, recordando-se que, sendo um parecer obrigatório, não é vinculativo. Ainda assim, nas declarações públicas que prestou, a Comissão de trabalhadores reconhece com honestidade que a internalização teria o efeito positivo de permitir resolver questões administrativas dos SMTUC, o que apraz registar. É exatamente esta a motivação da internalização, resolver problemas administrativos e de gestão gerados pelo atual modelo de gestão.
Convenhamos que não é por acaso que só existem serviços municipalizados em menos de 7% dos municípios portugueses, o que significa que a esmagadora maioria das Câmaras Municipais rejeita este modelo de gestão, por não lhe reconhecer vantagens e, pelo contrário, considerar que gera disfuncionalidades. Certamente por estas mesmas razões, os serviços municipalizados de Angra do Heroísmo, com um presidente socialista, Guarda e Tomar, também governada pelo PS, foram extintos. Não é novidade nenhuma!
Vale a pena recordar que nenhum processo de reestruturação das Câmaras Municipais é submetido a referendo dos trabalhadores, nem tão pouco nas Câmaras socialistas ou comunistas. Já imaginaram o que aconteceria se esta prática referendária fosse generalizada em todos os processos semelhantes de norte a sul do país? Será que, por exemplo, teríamos tido uma reestruturação orgânica desta Câmara em 2019? Fica a pergunta no ar...
E porque não se referenda se as pessoas querem pagar impostos ou taxas? E porque não se referenda se o povo quer apenas 180 e não 230 deputados? Aqui a vontade do povo já será perigosa e não é para consultar e respeitar?
Por conseguinte, com todo o respeito democrático, o referendo entre os próprios não pode ser argumento para obstaculizar uma reforma que é positiva para a Câmara e os SMTUC e que deveria ser apoiada por quem bem conhece os problemas acumulados nos SMTUC, por quem, nos últimos oito anos, não foi capaz de os resolver e, por quem, por falhados objetivos eleitoralistas, deu passos maiores do que a perna, agravando muito as dificuldades...
O SINTAP pronunciou-se, a 31 de agosto de 2022, no seguinte sentido: “Quanto à eventual internalização dos Serviços Municipalizados de Transportes Urbanos de Coimbra na estrutura da Câmara Municipal de Coimbra, o Sintap reitera, tal como transmitiu na reunião com o Sr. Presidente e o Conselho de Administração dos SMTUC, tratar-se de um modelo de gestão, o qual cabe ao Executivo Municipal e ao escrutínio dos Órgãos da Autarquia. O Sintap está e estará ao lado dos trabalhadores na defesa dos seus postos de trabalho, independentemente daquele que for o modelo de gestão futuro”. Como se verifica, o SINTAP não aponta nenhum efeito prejudicial da internalização.
Por sua vez, o STAL, através de parecer de 25 de agosto de 2022, reconhece que “A internalização dos SMTUC mantém intacta a natureza pública do serviço e reforça a responsabilidade do município na sua prestação.” Referindo ainda que um cenário privatizador seria mais “fácil” no âmbito do modelo de serviços municipalizados. É curioso que PS e PCP queiram manter os SMTUC num modelo de mais fácil privatização!
Ponderada uma sugestão apresentada pelo STAL, e esta é uma forte novidade, entendemos propor que seja constituída uma Comissão Paritária de Acompanhamento do processo de internalização dos SMTUC, caso esta venha a ser aprovada, composta por um representante da Comissão de Trabalhadores, por um representante dos sindicatos representativos dos trabalhadores dos SMTUC, pelo presente signatário, pelos membros do Conselho de Administração e por um dirigente municipal a indicar oportunamente. Desta forma, quaisquer supostos receios da internalização ficam definitivamente afastados.
Nesse mesmo sentido, como já afirmámos, manter-se-á inclusivamente a denominação SMTUC, para que não persistam quaisquer dúvidas em ninguém, como Serviço Municipal de Transportes Urbanos de Coimbra. Os SMTUC são e continuarão a ser, sempre, um serviço público municipal dos munícipes de Coimbra e de todas e todos os que vêm trabalhar e estudar para o concelho de Coimbra.
Em abono da verdade, diga-se e sublinhe-se que nenhum partido político, nem a Comissão de trabalhadores ou algum sindicato, apresentou um único argumento concreto, que demonstrasse que o processo de internalização pudesse, de qualquer forma, prejudicar os direitos e deveres dos trabalhadores, ou reduzir o serviço público aos munícipes, ou agravar a gestão dos SMTUC. Pelo contrário, a Comissão de trabalhadores e o STAL tiveram a hombridade de reconhecer alguns efeitos positivos da internalização, que são exatamente aqueles que visamos com esta proposta.
A finalidade da junção de serviços é a de, com todos os recursos da Câmara a trabalhar em conjunto, desenvolver os SMTUC, torná-los melhores e mais eficientes, prepará-los para o futuro, recuperar a procura do passado, atrair novos passageiros e servir mais populações. Os transportes públicos têm de passar a ser o meio de transporte privilegiado pela maioria das pessoas, independentemente da sua condição social, nomeadamente para melhorar a qualidade de vida urbana e ganharmos o desafio climático.
Em conclusão, a reestruturação dos SMTUC, com a sua internalização formal na Câmara, respeita todos os direitos e deveres das trabalhadoras e dos trabalhadores dos SMTUC, acrescenta a aplicação automática do ACEP e permite gerir os SMTUC com mais rigor e espírito de equipa alargada, poupando na agilização e nas sinergias criadas a vários níveis, de forma a poder-se dispor de meios suficientes para melhor servir a população de todo o concelho e para se corresponder a mais alguns legítimos anseios laborais, relativamente aos quais será feito o que está ao alcance da CMC, continuando a exigir-se e a aguardar-se uma resposta do Governo às propostas relativas à carreira de Agente Único.
Quando já todas estas questões estavam dirimidas e esclarecidas, fomos inesperadamente brindados com um violento e acusatório comunicado da CDU, a afirmar que esta maioria quereria desagregar os SMTUC, sem resolver nenhum dos seus principais problemas, acrescentando que tentámos fazer avançar o processo sem um debate prévio alargado, recorrendo a estratégias de ausência de diálogo com a oposição.
Para que fique bem claro, reitera-se que ambas as propostas que apresentámos foram debatidas, construídas e consensualizadas, em reuniões e por escrito, entre os sete vereadores com pelouro da Câmara Municipal de Coimbra. Por isso mesmo, temos de rejeitar veementemente estas falaciosas afirmações e manifestar a nossa profunda surpresa perante este comunicado, que justifica uma análise política futura.
Desde logo, o mais espantoso é que a CDU reconhece os inúmeros problemas dos SMTUC, alguns dos quais “principais”, até porque participou do seu concelho de administração nos últimos dois mandatos autárquicos e não os resolveu, mas recusa qualquer mudança e pretende que tudo fique na mesma. Repito, a CDU é corresponsável da passada gestão dos SMTUC, não resolveu os ‘principais problemas’, por isso herdámos os SMTUC no estado em que estavam, mas, paradoxalmente, não quer mudar nada.
Claro que a CDU põe em causa os estudos solicitados, como poria em causa quaisquer outros que fossem realizados se as conclusões não estivessem de acordo com o seu pensamento, isso já não surpreende ninguém, é política e não merece comentários adicionais.
Ao longo do seu extenso comunicado, a CDU refere superficialmente vários princípios genéricos dos transportes públicos, com os quais todos estamos de acordo e que a proposta de internalização inequivocamente robustece, bem como outras questões paralelas à proposta apresentada, como a coordenação dos SMTUC com o MetroBus, um processo complexo, que está a decorrer, mas que é independente do modelo de gestão dos SMTUC.
No que concerne o modelo de gestão dos SMTUC, as alternativas não são muitas. Ou eram privatizados, ou empresarializados, ou mantinham a situação de serviço municipalizado, ou são incorporados num departamento da Câmara. A privatização é rejeitada por todos, incluindo nós próprios. A empresarialização, apreciada pelo PS, nunca seria aprovada pelo Tribunal de Contas, não é a nossa solução e conduziria à destruição dos SMTUC. Sobram apenas duas alternativas, ou manter tudo como está, ou juntar os SMTUC num departamento de maiores dimensões e mais competências, beneficiando os SMTUC e a Câmara.
Pasme-se, o PCP rejeita esta última, dizendo que não apresentamos mais nenhuma! Depois do PCP andar oito anos a varrer os problemas para debaixo do tapete, quer acusar-nos a nós de o fazer, quando fomos nós que tomámos a iniciativa de propor a resolução da génese desses problemas, mudando a gestão dos SMTUC. Uma das afirmações mais repetidas dos trabalhadores dos SMTUC é que os SMTUC são, há muitos anos, um barco à deriva, por ausência de gestão, incluindo o período em que o PCP e o PS estiveram na gestão dos SMTUC.
O PCP afirma que é contra, mas, lamentavelmente, nem sequer apresenta uma única proposta alternativa, revelando-se incapaz de o fazer, exigindo que se resolvam os problemas dos transportes públicos de Coimbra, mas, pasme-se, sem nada mudarmos. Na ausência de qualquer argumento válido, o PCP continua a brandir o fantasma da privatização, mesmo sabendo que essa decisão nada tem a ver com o modelo de gestão dos SMTUC, mas sim com uma decisão da autoridade municipal de transportes, que é a Câmara, decisão essa que já foi assertiva e reiteradamente rejeitada por esta maioria. Certamente dirão que isto é fazer política, pois será, mas não é uma política séria.
O PCP refere ainda o plenário de trabalhadores e as posições expressas pelos mesmos. Muito bem, mas imagino que será seletivo nessas posições. É que uma das aplaudidas propostas dos trabalhadores foi de subir os títulos dos transportes e acabar com a gratuitidade dos passes para os estudantes, para faturar mais 5 milhões de euros/ano à custa das famílias, por exemplo... O PCP também defende esta solução?...
Há algo em que os trabalhadores dos SMTUC continuam a insistir, e com razão, porque nos últimos oito anos este problema não foi resolvido, corresponsabilizando PS e PCP. É urgente rever os horários e as linhas. O atual Conselho de Administração já o solicitou, por diversas vezes, aos serviços técnicos dos SMTUC que, por falta de dimensão da equipa, não conseguem responder a este exigente processo, em quantidade e em tempo útil. Esta seria mais uma das vantagens da internalização, reforçar as competências do Departamento dos Transportes para que, finalmente, este trabalho, que há anos é muito urgente, fosse desenvolvido e concretizado.
É curioso que esta maioria, e eu próprio, somos apontados a dedo como responsáveis da situação dos SMTUC, apesar do estado calamitoso em que encontrámos o serviço. Assumindo as nossas responsabilidades, tivemos a coragem de apresentar uma proposta para um caminho de resolução destes problemas. Porém, esta proposta está em risco de ser rejeitada na Assembleia Municipal. Sejamos bem claros, se não nos deixam aplicar uma solução para os SMTUC, relativamente à qual são reconhecidos efeitos positivos, que não implica nenhuma consequência concreta negativa para os trabalhadores e para os munícipes, e que no futuro até poderia ser revertida por um outro executivo, aqueles que o fizerem passam a assumir a responsabilidade dos atuais problemas dos SMTUC. A questão que fica no ar é se PS e PCP querem, ou não querem, que a gestão dos SMTUC melhore, ou se optam simplesmente por serem do contra...
É democraticamente legítimo estar contra, mas a ética democrática também obriga a apresentar alguma solução alternativa e a não bloquear a boa governação de Coimbra, o que não foi feito por nenhum partido político. Alguns dizem que “é preciso encontrar soluções fundamentadas, viáveis”, mas, confrangedoramente, também não conseguem apresentar uma única, o que é sintomático. No final deste processo, fica evidente que, se a nossa proposta for rejeitada na Assembleia Municipal, é exclusivamente por razões políticas de uma oposição destrutiva para Coimbra. Mas mais paradoxal ainda, é serem partidos de esquerda a rejeitar uma medida de esquerda. É a política a bater no fundo.
A outra grande sugestão dos trabalhadores, amplamente aplaudida no plenário, é “cortar cabeças” na estrutura dos SMTUC para, alegadamente, ser possível uma melhor gestão. A nossa proposta vai noutro sentido, o caminho construtivo da união e conjugação de esforços, da fusão de serviços duplicados, de aceleração de decisões e de combate ao desperdício. Gostaríamos que nos apoiassem neste objetivo, ou que pelo menos não o obstaculizassem. Todavia, será que a oposição é mais adepta de “cortar cabeças”? É esse o caminho que nos indicam? E por aqui me fico.
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