Intervenção da vereadora Ana Bastos na Reunião de Câmara de 9 de dezembro de 2020
(Imagem: Revista Coolectiva)
A pandemia provocada pela COVID-19 e o seu prolongamento no tempo veio agudizar os problemas económicos e sociais de muitas famílias, vitimando agregados familiares já por si de baixos recursos e portanto vulneráveis à perda de rendimentos.
Este problema, que cresce de dia para dia, traz ao de cima a relevância da agricultura de subsistência, para a qual é indispensável a disponibilização de um terreno fértil, de proximidade. Com o cansaço dos confinamentos e das restrições impostas à mobilidade, para além do que se poupa nas compras de supermercado, acresce a esta prática o prazer do contacto com a natureza e com os alimentos.
Talvez por isso, a criação, expansão ou reconversão de hortas urbanas e comunitárias, nunca fizeram tanto sentido como nestes tempos, designadamente pelo tratamento de espaços desocupados ou baldios, próximos de bairros sociais e de zonas eminentemente residenciais.
As “Hortas do Ingote”, criadas em 2004, são um bom exemplo deste conceito, mas que carece ser expandido a toda a zona urbana da cidade, contribuindo para a consolidação e manutenção da sua estrutura verde, conjugada com a promoção e desenvolvimento da agricultura biológica.
A solução encontrada pela Câmara Municipal de Coimbra para regularizar a atividade agrícola desregrada que se vinha a praticar no local e que justificou a celebração de um protocolo de colaboração com a Escola Superior Agrária de Coimbra (ESAC) deve ser revitalizada, alargada e intensificada, no sentido de abranger outros interessados e locais da cidade.
De facto, esta prática traz benefícios a vários níveis. Desde logo aos munícipes, ao terem a oportunidade de despenderem parte do seu do tempo ao ar livre, de cultivar de forma biológica, sem pesticidas ou herbicidas, uma maior diversidade de alimentos, o que lhes permite ter uma alimentação mais diversificada e saudável ao mesmo tempo que aprendem uma nova atividade, suportada por uma formação assente em bases científicas.
Complementarmente, estimulam-se as relações sociais e de vizinhança, ao fomentar o contacto entre pessoas que se unem para a prática da agricultura biológica e para a criação de bibliotecas de sementes partilhadas por todos.
Para a cidade, estas hortas permitem consolidar as estruturas verdes e criar zonas tampão ao crescimento desmesurado da zona urbanas, ao mesmo tempo que se promove a criação de sumidouros naturais para sequestro do carbono, o aumento da biodiversidade da flora e da fauna, essencial ao desenvolvimento ambiental, resiliente e sustentável das cidades.
Estas hortas urbanas ou comunitárias podem ainda ser inseridas em parques urbanos ou jardins, onde coexistem outras valências, como áreas arrelvadas, espaços de estadia, parques infantis, equipamentos desportivos, quiosques, ou percursos pedonais ou cicláveis, entre outras, pelo que, apesar de vedadas, podem ser visitadas por todos os interessados, com fins instrutivos, pedagógicos ou mesmo terapêuticos. Para a comunidade, atenua-se a dualidade entre o campo e a cidade potenciando aos interessados usufruir do contacto com espaços tratados, limpos e preservados ao mesmo tempo que se eliminam matagais e terrenos abandonados no centro da cidade.
Assim, e á semelhança do que está a acontecer em várias cidades de grande dimensão, como Lisboa, Porto, Oeiras e Cascais, compete à autarquia identificar, infraestruturar e proceder ao parcelamento dos talhões, salvaguardando a sua gestão operacional, monitorização e fiscalização. Para os hortelãos, a participação nas hortas não deverá envolver custos para além das despesas partilhadas, como as das ferramentas e gastos de água ou eletricidade.
Cientes que Coimbra carece deste tipo de estruturas, o Somos Coimbra já tinha integrado tal proposta no seu programa eleitoral em 2017 “Fomentar a agricultura de qualidade e biológica na cidade e na sua periferia (hortas urbanas e hortas rurais) e facilitar a distribuição dos seus produtos.” Esta situação de pandemia apenas tornou mais premente esta necessidade, pelo que o Somos Coimbra propõe:
Que a CMC abra, desde já procedimentos para elaboração de um regulamento para definição dos requisitos de candidatura, acesso e utilização das hortas urbanas.
Tendo por base o inventário municipal, identifique a disponibilidade de terenos municipais, que possam ser afetados a este tipo de atividade.
Recorrendo aos seus serviços técnicos, identificar terrenos baldios, mesmo que de propriedade privada, com potencial para a prática de agricultura biológica, e que promova a celebração de contratos de cedência provisória;
Desenvolver para cada espaço identificado, o parcelamento dos talhões e a execução das infraestruturas associadas (como sejam caminhos, vedações, portões de acesso, abrigos para o armazenamento de utensílios agrícolas, sistema de rega, etc.).
Revisite o protocolo com a ESAC no sentido de ser disponibilizada formação especializada em horticultura (em modo de produção biológico) e concedido o apoio técnico permanente aos hortelãos. Mas importa perspetivar o futuro através das mais recentes técnicas para a construção e manutenção de uma horta urbana, resiliente e sustentável.
Criação de uma estrutura orgânica municipal que apoie os hortelãos e ao mesmo tempo, monitorize e fiscalize a sua atividade, no sentido de fazer cumprir os regulamentos vigentes, designadamente no respeito pelos requisitos de agricultura biológica.
Esta crise pandémica e económica conjugada com os compromissos ambiciosos assumidos pelo Governo em relação à União Europeia, através do Roteiro para a Neutralidade Carbónica, em articulação com o Acordo de Paris, e onde a “Agricultura, Florestas e Uso do solo” representa um dos quatro principais componentes setoriais responsáveis pelas emissões de gases com efeito de estufa, deve justificar a adoção de medidas que permitam alterar os comportamentos humanos e os hábitos alimentares.
Compete à CMC promover a consciencialização sobre os desafios ambientais que o mundo enfrenta na atualidade, assim como apoiar os munícipes economicamente mais desfavorecidos, proporcionando-lhes a prática de uma agricultura de subsistência, e que pode ajudar a fazer a diferença no orçamento familiar. Deve por isso ser esta Câmara a lançar a primeira semente e a demonstrar a importância das hortas urbanas para a sustentabilidade alimentar e para a promoção do tecido social de Coimbra no presente e sobretudo numa perspetiva de futuro.
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