Posicionamento dos vereadores do Somos Coimbra sobre a localização da Central solar fotovoltaica – Estrada da Telhadela – Pousada – Cernache, apresentada na Reunião de Câmara de 11 de janeiro de 2021
O Somos Coimbra defende afincadamente a promoção de projetos de combate às alterações climáticas e, em particular, a geração de energias limpas, que permitam reduzir a forte dependência externa face ao petróleo. No que à energia solar diz respeito, basta dizer que a energia que a terra recebe por ano, vinda do sol, representa mais que 15.000 vezes o consumo mundial anual de energia. De acordo com um estudo publicado, em 2007, pelo Conselho Mundial da Energia, em 2100, 70% da energia consumida será de origem solar.
Hoje, quando falamos em fotovoltaico apontamos para duas direções: para as grandes centrais fotovoltaicas (produção centralizada) ou para o autoconsumo (produção descentralizada).
As centrais fotovoltaicas não são desprovidas de problemas, quer devido aos ciclos diurnos de produção, utilização e armazenamento da energia, que muitas vezes tem de ser desperdiçada, quer porque estamos a criar um forte impacto não só nas paisagens, mas também ao nível da fauna e da flora. O recente e trágico caso da herdade da Torre Bela é disso um exemplo.
Por conseguinte, a solução não pode passar por inaugurar centrais de produção de energia elétrica de forma desenfreada e sem estudos de impacto ambiental. Nesse âmbito, as vantagens da descentralização da energia, da produção local ou em proximidade, bem como a pequena produção e o autoconsumo, são óbvias. Infelizmente, a ausência de uma estratégia clara no fotovoltaico é considerada como o reflexo de um vazio generalizado quanto à política energética nos edifícios.
Com esta pequena introdução, queremos sublinhar e reiterar que o Somos Coimbra é um adepto entusiasta da energia fotovoltaica, mas os caminhos a seguir podem e devem ser diversos, consoante as circunstâncias, e, absolutamente respeitadores do ambiente.
Nessa linha de ação, o Somos Coimbra votou favoravelmente a viabilização da central fotovoltaica a situar em Taveiro, salvaguardando as preocupações de âmbito ambiental e de integração panorâmica.
Contudo, o processo hoje submetido a avaliação a este executivo cobre-se de problemáticas bem diferenciadas. Constata-se mais uma vez, que a Câmara Municipal de Coimbra encara este processo como se de um simples processo jurídico-administrativo, ignorando os verdadeiros impactes ambientais que acarreta a nível local. Apesar de em termos de tramitação legal, o regime jurídico da avaliação de impacte ambiental dispensar a sujeição deste processo a Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) - ao abrigo do Dec-lei 151-b/2013 de 31 de outubro, alterado pelo dec-lei 152-B/2017, de 11 de dezembro – verifica-se que a potencia instalada será de 48 MW, muito próximo do limiar de 50 MW, que obrigaria a essa análise formal (referido no parecer da APA).
Mesmo assim, ao abrigo do n.º 1 do art. 32.º do RPDM “as infraestruturas…da produção, transporte e transformação de energia podem ser viabilizadas em qualquer área ou local do território municipal, desde que a CM reconheça que tal não acarreta prejuízos inaceitáveis para o ordenamento e desenvolvimento local, após ponderação dos seus eventuais efeitos negativos nos usos dominantes e na qualidade ambiental, paisagística e funcional das áreas afetadas”. Ou seja, compete à CMC salvaguardar a necessidade dessa análise!
O projeto será implantado maioritariamente em área florestal, de mato e de pastagens aparentemente em terrenos que estão genericamente abandonados e sem grande valor, designadamente no plano agrícola, contudo trata-se de uma encosta rica em património natural, histórico e arqueológico, onde se concentram cortelhas, veredas e manchas florestais com espécies diferenciadas e raras. Os trabalhos, que já se iniciaram, estão a arrasar e a destruir essa riqueza, antes mesmo da qualidade desses vestígios e achados ter sido avaliada pelas entidades competentes.
Por isso, o Somos Coimbra junta-se aos 121 cidadãos que assinaram um abaixo assinado entregue na Junta de freguesia de Cernache e de muitos outros cidadãos locais que demostraram a preocupação e desagrado relativamente ao licenciamento desta operação.
Qualquer projeto desta dimensão tem sempre implicações negativas, mas neste caso, por serem aparentemente tão gravosas não podem ser ignoradas:
1. Trata-se de um atentado ao património histórico e cultural:
a. Neste local podia-se encontrar a maior concentração de cortelhas do distrito de Coimbra, representativas de um testemunho ancestral da transumância. Existiam, porque com a movimentação de terras em curso, as cortelhas estão a ser destruídas e transformadas num monte de pedra.
b. Encontram-se caminhos e veredas do vale da Feteira. Sintra é conhecida pelos seus caminhos pela serra e pelos pequenos túneis de árvores que fazem um microclima místico. O mesmo se podia encontrar no vale da Feteira, com caminhos bordejados de altos muros em pedra tosca construídos há centenas de anos. Podia! Porque hoje estão a ser transformados numa memória.
2. Perdas irreparáveis no património natural (fauna e flora):
a. A área de implantação do projeto é desde sempre uma das principais áreas cinegéticas da região de Coimbra. Coelhos, espécies raras de sardões, cobras endémicas, ginetas, texugos cão e texugo porco, raposas, milhafres, corujas, e recentemente veados, tudo isto procriava nesta área chamada Vale da Feteira que se encontra atualmente quase arrasada;
b. A área de implantação do projeto é desde há cerca de 10 a 15 anos um dos locais onde se pode encontrar a espécie Quercus pyrenaica, vulgarmente designado de carvalho negral. É uma espécie de carvalho quase inexistente na região de Coimbra e que está a ser devastada como se de uma espécie vulgar se tratasse. Segundo a revista "Jardins", «as poucas florestas de carvalhos que resistiram ao longo do tempo são áreas de relevante valor paisagístico e de uma grande biodiversidade. Sendo espécies de grande longevidade na Península Ibérica, desde há muito que lhes é reconhecido valor». Existia uma mancha de grande dimensão no Vale da Feteira, a qual nos últimos dois meses se reduziu a um monte de lenha.
c. Existem ainda outras espécies únicas que estão a ser igualmente dizimadas, como é o caso de orquídeas selvagens em vias de extinção ou as famosas jabardeiras.
3. Perturbação nos recursos hídricos, por interferência com o escoamento e retenção de águas que ali se concentram e retêm de forma abundante e que antigamente asseguravam o abastecimento de parte do concelho de Coimbra. Face aos declives acentuados, à pequena profundidade do leito rochoso e à retirada das raízes que garantem a estabilidade do solo perspetivam-se enxurradas de água e lama, em dias de chuvadas intensas.
4. Afetação da paisagem e panorâmica. Este local constituía um miradouro natural de onde, em dias solarengos se podia avistar o mar e a Serra da Boa Viagem. O miradouro poderá manter-se mas perde-se seguramente a sua envolvente naturalista;
5. Grande parte dos painéis ficarão numa vertente virada a norte. Atendendo a que não é possível recorrer a movimentação de terras, parte do projeto ficará virado para a sombra pressupondo-se perdas de rentabilidade.
Despertos para esta situação, o Somos Coimbra já tinha demonstrado estas preocupações, em nome da população local, na reunião de 7 de junho de 2019. Face a todas as estas preocupações não abordadas na informação técnica, nem nos pareceres das entidades consultadas, deduzimos que as entidades locais desconhecem a riqueza natural, histórica e arqueológica ali existente, pelo que o Somos Coimbra propõe que, a CMC suspenda provisoriamente este processo e promova, com carácter de urgência, o desenvolvimento de um estudo de impacte ambiental comprovativo da bondade da solução. Paralelamente, deve ainda suspender, com efeitos imediatos os trabalhos no local, de forma a evitar danos maiores no território.
Sendo certo que, apesar de todos defendermos, em abstrato, a produção de energia limpa, devendo continuar a ser incrementados os estímulos à pequena produção e ao autoconsumo, também é certa a tendencial repulsa da sua localização próxima dos espaços urbanos, pelo que se propõe que a CMC, no processo de licenciamento, salvaguarde o pagamento de uma compensação periódica diretamente à Junta de Freguesia local, de forma a que, aqueles que acarretam com as externalidades negativas pela presença da central, possam beneficiar diretamente do seu nível de produção. Deve ainda ser salvaguardada a reconversão dos terrenos, após o encerramento da central, seja daqui a 20 ou 25 anos resultante do fim do ciclo de vida dos painéis, seja perante novas formas de produção de energia mais eficientes.
Sendo indiscutível o interesse deste tipo de projeto, caso o EIA aponte para a impossibilidade de preservação dos achados (se ainda subsistirem à data), deverá a CMC estudar novas localizações alternativas, designadamente em conjunto com a Freguesia de Cernache, onde se identificam alguns espaços voltados a sul, com solos a necessitar de reconversão. Caso Contrário, o Somos Coimbra vê-se obrigado a votar não contra a central fotovoltaica, mas contra a localização proposta para a sua instalação.
11 de janeiro de 2021 Os vereadores do Somos Coimbra Ana Bastos José Manuel Silva
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