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A saga dos transportes na zona norte… A culpa é da Covid ou da CMC?


Depois de meio ano de estudos, a Junta da União de Freguesias de Souselas e Botão e a população da zona norte continuam à espera de uma resposta da Câmara Municipal de Coimbra (CMC) relativamente à expansão da cobertura dos SMTUC àquela União de Freguesias. É tempo de dizer: basta de estudos!


Há décadas que as populações da zona norte, com particular destaque para os residentes na área da União de Freguesia de Souselas e Botão, lutam e reivindicam a cobertura daquela zona pelos serviços dos SMTUC, reclamando pelos mesmos direitos e benefícios da restante população do Concelho.


Esta esperança foi reavivada nos últimos anos, com a publicação do Regime Jurídico de Serviço Público de Transporte de Passageiros (Lei nº 52/2015, de 9 de junho), que veio transferir competências de planeamento e gestão da rede de transportes municipais, intermunicipais e regionais, anteriormente sob a esfera do governo, para as Comunidades Intermunicipais e autarquias locais que se tenham constituído como Autoridades de Transportes.


A publicação deste diploma deixou nas mãos da CMC repensar toda a rede de transportes públicos municipais, em articulação com a rede intermunicipal (sob a responsabilidade da CIM-RC) e com os restantes operadores (CP, Metro Mondego), permitindo-lhe, sem condicionantes impostas pelas concessões pré-existentes, otimizar os serviços oferecidos e abolir as inaceitáveis assimetrias territoriais entretantos criadas, ao longo do tempo, entre as freguesias periféricas e o centro da cidade.


Desde o primeiro momento que, alavancadas pelo movimento Somos Coimbra (SC), quer a zona sul quer a zona norte do concelho se posicionaram na linha da frente das contestações, exigindo melhores transportes públicos municipais.


Também o PART (Programa de Apoio à Redução Tarifária) criado pelo Governo em 2019 e que potenciou a redução dos preços dos passes dos transportes públicos um pouco por todo o país, veio dar um grande impulso no sentido das Autoridades de Transportes aumentarem a oferta de serviços, podendo para tal recorrer a até 40% da dotação atribuída no âmbito do programa.


Aberta essa janela de oportunidade, a CMC, em 2019, recorreu a essa verba (cerca de 400 mil euros) para internalizar, nos SMTUC, 5 das 9 carreiras municipais anteriormente asseguradas por operadores privados e que operavam na zona sul (Cernache, Antanhol, Palheira, etc).


Apesar desta medida ter sido prontamente apoiada pelo movimento SC, também é certo que de imediato o movimento denunciou o tratamento discriminatório e a marginalização negativa da zona norte do concelho, ao ser abandonada e esquecida em todo este processo.

Estando em fase final de preparação os procedimentos para lançamento de concurso para concessões das carreiras intermunicipais e regionais por parte da CIM-RC, a CMC optou pela solução mais fácil: (1) as duas linhas municipais que servem a zona noroeste (EN111 – estrada da Figueira da Foz) foram mantidas sob o domínio de operadores privados e transferidas para a jurisdição da CIM-RC, sem que se tenha aproveitado a oportunidade para melhorar a cobertura territorial e impor alterações aos circuitos, nem tão pouco salvaguardar o controlo do tarifário a ser praticado; (2) na zona nordeste (S. Martinho do Pinheiro, Souselas e Botão), a CMC decidiu simplesmente suprimir as 2 linhas municipais existentes, baseada no argumento que, com o encerramento do INEDS, as mesmas deixam de ser necessárias, agravando ainda mais as assimetrias numa população já fustigada e abandonada pela CMC, também no campo da educação.


O descontentamento da população foi bem espelhado num abaixo assinado que envolveu mais de 900 assinaturas, onde os signatários exigiam equidade social e territorial. Num ato antidemocrático e de total falta de respeito pela população, a câmara recusou-se a receber esse requerimento, após várias tentativas de entrega direta numa reunião ordinária do Executivo da Câmara Municipal de Coimbra.


Perante tal indiferença, a Junta da União de Freguesias organizou uma sessão de esclarecimento dirigida à população, para a qual convidou o Sr. Presidente e vereadores, dando-lhes a oportunidade de se justificarem e apresentarem, perante a população, as soluções implementadas pela CMC. Apenas os vereadores do movimento SC compareceram na sessão, tendo os responsáveis da CMC optado por se apresentarem numa “sessão de bombos” na zona sul para anunciarem o lançamento das novas linhas, que apenas serviam aquela zona.


Mas a pressão contínua exercida quer pelo SC quer pela Junta de Freguesia acabaram por surtir efeito, com um primeiro sinal positivo que, embora modesto, foi encarado como uma pequena “luz verde ao fundo túnel”. Em reunião do executivo da CMC de 25 de novembro, na presença do Presidente da Junta, o Sr. Presidente da CMC sugeriu que fosse analisada a viabilidade de expansão das linhas 2F e 39, até Souselas. Essa pretensão viria a justificar um despacho do Conselho de Administração dos SMTUC onde foi determinado o prazo 30 dias para a conclusão desse estudo. A reunião com a Junta de Freguesia ocorreu poucos dias depois. Porém, quando tudo parecia encaminhado no sentido de ser aprovada a pretensão, eis que voltou o silêncio!


Em janeiro de 2020, o assunto é retomado, no âmbito da aprovação da repartição das verbas do PART 2020. A CMC vai dispor de mais de meio milhão de euros para aumento da oferta, reunindo-se assim as condições económicas favoráveis à expansão da rede dos SMTUC à zona norte. Todavia, mais uma vez, faltou a vontade para avançar, remetendo-se a decisão para mais tarde, depois de mais estudos! Em fevereiro, a CMC submete à aprovação o tão desejado e reclamado pelo SC prolongamento da linha 19T até à Serra da Rocha, acompanhada pela criação de 3 horários associados às linhas 27, 28 e 35. Contudo, mais uma vez, nada para a zona norte! Afinal, continuava-se a aguardar o resultado dos pretéritos estudos…


Pasme-se, quase meio ano depois, não há ainda qualquer resposta!

Mas os sinais são, na atualidade, novamente de alerta! A pandemia provocada pela Covid-19 pode afinal ser o fundamento para que este serviço, tão desejado e reclamado, possa ser mais uma vez protelado.


A recente publicação do Dec-Lei n.º 14-C/2020 de 7 de abril veio estabelecer procedimentos para atribuição de financiamento e compensações decorrentes da situação epidemiológica e que motivou o Estado de Emergência, em alguns setores, entre os quais no dos transportes. É certo que o surto epidemiológico se traduziu numa acentuada quebra de passageiros e de receitas que obrigou a uma readaptação de carreiras e horários, com vista à redução do serviço e, por inerência, num agravamento do deficit de exploração.


Contudo, o mesmo diploma abre a possibilidade das autoridades de transportes recorrerem a verbas ao abrigo de alguns regimes setoriais, entre os quais o do PART (Programa de Apoio à Redução Tarifária - Decreto-Lei n.º 1-A/2020, de 3 de janeiro), financiado pelo Fundo Ambiental, cuja dotação nacional, em 2020, é de pouco mais de 150 milhões de euros.

Corre-se assim o risco de os parcos 1,4 milhões de euros destinados à Autoridade Municipal de Transportes de Coimbra virem a ser redirecionados para financiar a compensação pela perda de receitas quer dos SMTUC quer da Transdev (operadora privada responsável pelas operações na zona noroeste da cidade), deixando cair os compromissos e pretensões da CMC para o sector dos transportes.


Sendo politicamente inaceitável a CMC, em 2020, voltar a subir o valor dos passes mensais, nas suas diferentes modalidades, é assim expectável que seja a componente dos 40% a suportar os encargos associados às compensações financeiras às operadoras de transportes, remetendo o alargamento da rede e a melhoria do serviço para as calendas gregas. A agravar a situação, com a crise económica provocada pela Covid-19, o operador privado que serve a zona norte suspendeu uma série de carreiras que recusa agora repor, nesta fase de desconfinamento, sob o olhar fleumático das duas Autoridades de Transportes (CMC e CIM_RC).


O SC não pode aceitar que a CMC continue a demitir-se das suas obrigações em relação à zona norte da cidade, agravando desigualdades sociais e económicas.


Não são aceitáveis mais adiamentos indeterminados. Exige-se uma tomada de posição concreta, devendo a CMC assumir o que já deveria ter assumido em 2019: a internalização urgente dos transportes municipais na zona norte.


Afinal o que podem esperar as populações da zona Norte? A política de transportes é um instrumento que deve contribuir para a coesão social do concelho de Coimbra, sendo obrigação da CMC eliminar assimetrias discriminatórias e desigualdades no acesso ao transporte. É tempo de deixar de haver munícipes de primeira e de segunda.

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